segunda-feira, 7 de março de 2016

Coprolalia literária

      “Então Jean-Paul irrompeu de volta pela porta adentro. Achei que tinha machucado o ombro. Ele parou, apalpou o ombro, deixou-o para lá, coçou-se e investiu de novo em frente. Pôs-se a rodear a mesa num passo rápido e constante, berrando:
      - TODOS NÓS TEMOS CU, CERTO? TEM ALGUÉM AQUI NESTA SALA QUE NÃO TENHA CU? SE TEM, QUE FALE LOGO, ESTÃO OUVINDO?
      Jon Pinchot me enfiou o cotovelo nas costelas.
      - Está vendo, é um gênio, está vendo?
      Jean-Paul rodeava a mesa no mesmo passo rápido, berrando:
      - TODOS NÓS TEMOS ESSA RACHA NAS COSTAS, CERTO? LÁ EMBAIXO, MAIS OU MENOS NO MEIO, CERTO? A MERDA ESPIRRA POR ALI, CERTO? OU PELO MENOS A GENTE ESPERA QUE ESPIRRE! É TIRAR A NOSSA MERDA, E ESTAREMOS MORTOS! PENSEM EM QUANTA MERDA A GENTE CAGA NUMA VIDA INTEIRA! A TERRA, NO MOMENTO, ABSORVE TODA ELA! MAS OS MARES E OS RIOS ESTÃO AMEAÇANDO SUAS PRÓPRIAS VIDAS ENGOLINDO NOSSA MERDA! NÓS SOMOS IMUNDOS, IMUNDOS, IMUNDOS! EU ODEIO TODOS NÓS, TODA VEZ QUE LIMPO A BUNDA, ODEIO A TODOS NÓS!”

      (“Hollywood”, Charles Bukowski, L&PM, Porto Alegre, 2007, Página 29.)


XXX


      “Uma bela noite, porém, após ter passado toda a tarde em companhia de minha vetusta e ardente protetora, e como me houvesse excedido um pouco em minhas doses habituais de whisky e de champagne, deu-se o imprevisto e o inevitável: - Em pleno salão de Mme. Martínez y Viola, descendente direta da papisa Joana, quando declamava uns versos fesceninos e grandiloquentes o laureado poeta  Silvano dal Monte, eu não me contive e bradei com todas as forças dos meus pulmões algumas duras verdades que, mais cedo ou mais tarde, teria mesmo que lançar no rosto de toda aquela gente reunida em torno de mim e vivendo à custa de meus elogios diários ou hebdomadários. Algo assim neste estilo, se não me falha a memória: - ‘Nem parece que todos vós tendes intestinos e, na ponta desses intestinos, um lamentável cu, exatamente igual ao que têm vosso açougueiro, vosso chofer, vosso camareiro, vossos cachorros e vossos cavalos de raça. Vosso cu é a melhor arma que tendes para afugentar os maus pensamentos, que são aqueles que vos afastam da simplicidade humana e da humana aceitação da vida – e é para o vosso cu que vos conclamo olheis diante do espelho, se preciso de-joelhos e com uma vela na mão para enxergar melhor, toda vez que vos sentirdes possuídos de um orgulho oceânico e vos julgardes tão poderosos quanto vosso Deus, que pelo menos (que eu saiba) não tinha nenhum cu à vista.’ ”

      (“A Lua Vem da Ásia”, Campos de Carvalho, Editora Codecri, Pasquim, Rio de Janeiro, 1977, 3ª Edição, Página 132.)

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