“Então Jean-Paul irrompeu de volta pela
porta adentro. Achei que tinha machucado o ombro. Ele parou, apalpou o ombro,
deixou-o para lá, coçou-se e investiu de novo em frente. Pôs-se a rodear a mesa
num passo rápido e constante, berrando:
- TODOS NÓS TEMOS CU, CERTO? TEM ALGUÉM
AQUI NESTA SALA QUE NÃO TENHA CU? SE TEM, QUE FALE LOGO, ESTÃO OUVINDO?
Jon Pinchot me enfiou o cotovelo nas
costelas.
- Está vendo, é um gênio, está vendo?
Jean-Paul rodeava a mesa no mesmo passo
rápido, berrando:
- TODOS NÓS TEMOS ESSA RACHA NAS COSTAS,
CERTO? LÁ EMBAIXO, MAIS OU MENOS NO MEIO, CERTO? A MERDA ESPIRRA POR ALI,
CERTO? OU PELO MENOS A GENTE ESPERA QUE ESPIRRE! É TIRAR A NOSSA MERDA, E
ESTAREMOS MORTOS! PENSEM EM QUANTA MERDA A GENTE CAGA NUMA VIDA INTEIRA! A
TERRA, NO MOMENTO, ABSORVE TODA ELA! MAS OS MARES E OS RIOS ESTÃO AMEAÇANDO
SUAS PRÓPRIAS VIDAS ENGOLINDO NOSSA MERDA! NÓS SOMOS IMUNDOS, IMUNDOS, IMUNDOS!
EU ODEIO TODOS NÓS, TODA VEZ QUE LIMPO A BUNDA, ODEIO A TODOS NÓS!”
(“Hollywood”, Charles Bukowski, L&PM,
Porto Alegre, 2007, Página 29.)
XXX
“Uma bela noite, porém, após ter passado
toda a tarde em companhia de minha vetusta e ardente protetora, e como me
houvesse excedido um pouco em minhas doses habituais de whisky e de champagne,
deu-se o imprevisto e o inevitável: - Em pleno salão de Mme. Martínez y Viola,
descendente direta da papisa Joana, quando declamava uns versos fesceninos e
grandiloquentes o laureado poeta Silvano
dal Monte, eu não me contive e bradei com todas as forças dos meus pulmões
algumas duras verdades que, mais cedo ou mais tarde, teria mesmo que lançar no
rosto de toda aquela gente reunida em torno de mim e vivendo à custa de meus
elogios diários ou hebdomadários. Algo assim neste estilo, se não me falha a
memória: - ‘Nem parece que todos vós tendes intestinos e, na ponta desses
intestinos, um lamentável cu, exatamente igual ao que têm vosso açougueiro,
vosso chofer, vosso camareiro, vossos cachorros e vossos cavalos de raça. Vosso
cu é a melhor arma que tendes para afugentar os maus pensamentos, que são
aqueles que vos afastam da simplicidade humana e da humana aceitação da vida –
e é para o vosso cu que vos conclamo olheis diante do espelho, se preciso
de-joelhos e com uma vela na mão para enxergar melhor, toda vez que vos
sentirdes possuídos de um orgulho oceânico e vos julgardes tão poderosos quanto
vosso Deus, que pelo menos (que eu saiba) não tinha nenhum cu à vista.’ ”
(“A Lua Vem da Ásia”, Campos de Carvalho,
Editora Codecri, Pasquim, Rio de Janeiro, 1977, 3ª Edição, Página 132.)
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