Dymphne:
A Santa Protetora dos Loucos
Este
é um livro sobre insanidade, demência e piração. Uma viagem nas pegadas do
frenesi e no encalço da loucura, com suas mais variadas descrições populares,
clínicas, preconceituosas, negadoras, medievais e até modernas. E não é uma
história «formal» que pretendo, pelo contrário, anseio mais bem por uma
história vagabunda e doméstica, desde as estradas perigosas de minha memória
até o «paraíso» belga de Geel, o velho e quase mitológico shangri-la dos «dementes».
Talvez no imaginário de todas as raças, a loucura seja percebida apenas como um
berço em chamas, como o passo de caranguejos no interior das artérias ou como a
silhueta de uma mãe esplendorosa que se recusa, a silhueta de uma mãe com tetas
imensas mas vazias. Talvez apenas como um canyon com bebês berrando, a placenta
sendo lançada numa imensa gamela de imbúia, como se tudo estivesse acontecendo
num açougue clandestino do Distrito Federal ou numa caverna piauiense iluminada
apenas pelos pingentes de estalactites e pelo brilho inocente dos olhos dos
morcegos. Loucos, dementes, alucinados, pirados, insensatos... mas e quem não
é? Quem não é, quando nem o grande Verlaine conseguiu burlar as suspeitas dos
doutores? Quando Nietzsche mofou no hospício de Jena; quando Artaud apodreceu
na clínica de Rodez; Nélligan no hospital quebequence de Saint-Jean-de-Dieu;
Rawet na solidão de Sobradinho, e quando o Bandido da Luz Vermelha, durante
décadas, fez doutrina no interior dos nossos manicômios? Me digam: quem não é,
com todas aquelas caravelas chegando? E depois desses 500 anos? Quanto mais
pesquisamos e quanto mais abrimos os olhos, mais vamos reconhecendo que o
homem, na fantasia de tornar-se «civilizado», acabou construindo tanto interna
como externamente, essa disposição mentirosa e esquizóide que faz da vida uma
maratona de horrores. E é importante lembrar, neste momento crucial de nossa
existência, que as Naves dos Loucos não navegaram apenas pelos rios da
Alemanha, da Bélgica e da França, como se pensa. Elas cruzaram também os mares,
em todas as direções, com os porões e as suítes repletas e inclusive, com muito
mais frequência do que certos «especialistas» gostam de afirmar.
Nos
demais contos, os protagonistas são artistas ou intelectuais: a escultora que
fabrica gigantes de ferro para se defender da “banalidade do cotidiano”; o
crítico de arte que consola seu amigo moribundo lendo para ele trechos do livro
de Jó; o macabro ritual do homem que é apaixonado pela literatura russa; o
professor de dramaturgia que um dia se vê impedido de deixar seu apartamento; a
tragicomédia de um escritor que, para ser lido, aceita o desatinado conselho de
seu amigo publicitário; um artesão que vê os bonecos que criou encenando um
drama diante dos seus olhos; e, por fim, alguém que se denomina o Narrador nos
apresenta um flagrante perturbador do cotidiano de uma grande cidade.
Ezio
Flávio Bazzo

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