Em dezembro de 1997 eu li “Elogio da
Loucura”, do Erasmo de Roterdan (Editora Novo Horizonte S.A., 1986).
Encontra-se ali muita sabedoria! A parte final sobre os clérigos da Igreja
Católica é excelente! Neste discurso da “Senhora Loucura”, Erasmo não poupa as
mulheres:
“Com efeito, se sucede querer uma mulher
passar por sábia, nada mais fez do que acrescentar nova loucura à que já
possui, pois quando se recebe da natureza uma propensão viciosa, é aumentá-la
querer resistir-lhe ou ocultá-la sob a máscara da virtude. Macaco é sempre macaco, diz um provérbio grego, ainda que o vista da cabeça aos pés a mais
rica das púrpuras. Do mesmo modo, mulher é sempre mulher, sempre louca, por
mais que se esforce por o não parecer.” (Página 33)
O saudoso amigo Décio Mostaro costumava
dizer: “Mulher não enlouquece, piora”. Divina loucura!... E parece ter Deus
ordenado às mulheres jamais se interessarem por mim. Erasmo explica esta
ojeriza:
“Quereis viver no império da volúpia e
dos prazeres? As mulheres, que em grande parte o governam, são inteiramente
devotadas aos loucos, e fogem do sábio como se nele vissem animal horrendo e
venenoso.” (Página 125)
Disse William Blake: “Se o doido
persistisse na sua loucura tornar-se-ia sensato”. Eis os versos iniciais do
grande Cruz e Sousa, no soneto “O Assinalado”: “Tu és o louco da imortal
loucura, / o louco da loucura mais suprema”. Rebate a “Dona Loucura”:
“Ó tu, o mais louco de todos os homens, ó
tu que aspiras à sabedoria, pensa, rogo-te, em todos os sofrimentos, em todas
as inquietações que te fazem sangrar, dia e noite, a alma, lança um olhar aos
espinhos que essa sabedoria semeia em todos os instantes da tua vida, e saberás
por fim, de que multidão de males preservo os meus eleitos!” (Página 60)
Pensando nisto criei esta trova: Suporto
os cravos daninhos, / bebo o fel desta agonia: / dói a coroa de espinhos / na
cruz da sabedoria. Fernando Pessoa escreveu: “Por que, ó Sagrado, sobre a minha
vida / derramaste o teu verbo? / ... / Maldito o dia em que pedi a ciência...”
Erasmo é irônico com os indivíduos da
minha classe:
“Os poetas já me não devem tantas
obrigações: o seu próprio estado lhes concede um direito natural aos meus dons.
Constituem, como sabeis, um povo livre, incessantemente ocupado em adular os
ouvidos dos loucos com asneiras e contos ridículos. Basta-lhes isso para se
julgarem no direito de aspirar à imortalidade e até de a prometer aos outros. O
amor-próprio e a adulação têm por eles amizade especialíssima, e não há na
terra quem me preste culto mais puro e constante.” (Página 89)
Retornando à questão analisada em Ibsen e
Machado, fala “Madame Loucura”:
“Platão imaginou uma caverna em que os
homens, encadeados, só viam sombras e aparências; mas um deles escapa, vê
coisas reais, e voltando diz aos companheiros: ‘Como sois infelizes! Não
percebeis senão sombras, e laborais em grande erro crendo que nada mais existe.
Fora desta caverna é que existem objetos reais, e eu acabo de vê-los’. Enquanto
esse sábio deplora o erro e a loucura dos supostos infelizes, estes, por sua
vez, o consideram louco, zombam dele e o expulsam.” (Página 142.)
Este mito famoso representa a síntese não
só da realidade social como da natureza espiritual do ser humano. A pressão esmagadora
da MAIORIA dos cegos produz intenso sofrimento na MINORIA dos visionários. É
por isso que sou feliz, como afirmei antes, posto que não me foi dada a tarefa
inglória de alertar os iludidos pelas sombras. Contento-me apenas em apreciar o
esplendor do céu, na entrada da caverna. No seu devido tempo eles VERÃO A
LUZ...
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