quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O partido sem nome de Luiz Carlos Maciel

Texto do livro “Negócio Seguinte:”, Luiz Carlos Maciel, Editora Codecri, Rio de Janeiro, 1982, 2ª Edição, Páginas 243 a 247:

“Brindemos ao seguinte:

Dez anos de PASQUIM, abertura, anistia, redemocratização, etc. – tudo isso merece ser comemorado. Pensei em aproveitar o ensejo para apresentar algumas ideias para a formação de um novo partido político, adequado finalmente aos novos tempos que estamos vivendo. Quem não se sentir muito à vontade com os partidos que existem, que invente o seu – pensei, e foi o que fiz.


Para ser franco, já apresentei essas ideias pela televisão, para ser mais exato pela TV Tupi, numa entrevista feita por Glauber Rocha para o programa Abertura. Faço-o agora por escrito. O partido não tem nome, nem acho que isso seja importante. O que é um nome? – pergunta Shakespeare, em Romeu e Julieta. Um pé, um braço, etc.? Nada disso. Nomes não são coisas, mas signos. São bons para os especialistas em Semiologia. Não é o meu caso. Sou, como disse o Glauber, ‘um jovem político’.


O programa ou manifesto, do novo partido sem nome, está formulado em dez itens. São os seguintes:


I. QUEREMOS LIBERDADE. QUEREMOS QUE TODOS TENHAM O PODER DE DETERMINAR O SEU PRÓPRIO DESTINO.
Esta é a ideia básica. O principal defeito das presentes organizações sociais, sejam elas de qualquer tipo, é que não nos deixam viver como queremos. Tudo foi tão organizado – e, naturalmente, mal organizado – que já nascemos prisioneiros e os sistemas de controle são, cada vez mais, totalitários e asfixiantes. A isso chamam progresso. Não serve para nada, se você deixa de ser dono do seu nariz. Seria melhor que simplesmente nos deixassem em paz. Por isso, Malatesta pede ‘a abolição do governo e de qualquer poder que faça leis para lançá-las aos outros; portanto, abolição das monarquias, das repúblicas, dos parlamentos, dos exércitos, das polícias, das magistraturas e de toda e qualquer instituição dotada de meios de constranger e de punir’. Em outras palavras: deixem-nos respirar.


II. QUEREMOS JUSTIÇA. QUEREMOS O FIM DE QUALQUER REPRESSÃO POLÍTICA, CULTURAL E SEXUAL, SOBRE TODOS OS OPRIMIDOS DO MUNDO, ESPECIALMENTE A REPRESSÃO CONTRA AS MULHERES, OS NEGROS E TODAS AS MINORIAS.
Por todas as minorias, entenda-se o que está literalmente escrito, incluindo-se os índios, judeus, homossexuais e demais minorias eróticas, políticas ou religiosas. Nascer neste mundo nos dá o direito de ser o que Deus quis e fazer de nossa vida o que, com Sua Graça, quisermos. Nascemos livres para pensarmos o que bem ou mal entendermos, fazermos a arte e a cultura que quisermos, etc. Rejeitamos toda e qualquer racionalização que vise a justificação e consequente preservação de qualquer procedimento repressivo, em qualquer nível. A derrubada da opressão é a libertação dos oprimidos. Neste particular, não pode haver concessão a qualquer tipo de crueldade oficializada. Todos os seres vivos são irmãos.


III. QUEREMOS UMA TRANSFORMAÇÃO COMPLETA DO CHAMADO SISTEMA JURÍDICO, DE MANEIRA QUE AS LEIS, OS TRIBUNAIS E A POLÍCIA ATUEM UNICAMENTE EM FUNÇÃO DOS INTERESSES DE TODOS. QUEREMOS O FIM DE TODA E QUALQUER VIOLÊNCIA CONTRA O POVO.
Não tem graça nenhuma você ser um cidadão – isto é, um ser humano que vive em comunidade com seus semelhantes – e viver com medo da polícia e dos juízes. Jesus Cristo mandou que ninguém julgasse ninguém, para não ser julgado. Em nossa sociedade anticristã, porém, o que se observa é o oposto. Alguns homens delegaram a si próprios o direito de julgar, condenar e maltratar seus semelhantes – e, ainda por cima, dizem que isso é muito natural e, o que é o pior, muitos acreditam. Isso tudo é um absurdo evidente, uma doença, uma alucinação coletiva das mais sérias. O ideal, naturalmente, é que não existam leis, nem tribunais, nem polícia. Mas enquanto esse ideal não é possível, é preciso exigir, pelo menos, que essas leis, tribunais e polícia se comportem com um mínimo de decência – e não da maneira escandalosa, imoral, como acontece agora.


IV – QUEREMOS UMA ECONOMIA MUNDIAL LIVRE, BASEADA NA TROCA DE ENERGIA E MATERIAIS – E O FIM DO DINHEIRO.
O dinheiro – ‘a culpa materializada da Humanidade’, segundo Norman O. Brown – é a origem concreta de, pelo menos, noventa por cento de todos os nossos males e problemas, de ordem econômica, social, psicológica, existencial, espiritual, etc. É espantoso que depois dos séculos ensanguentados e tenebrosos, durante os quais o vil metal reinou absoluto, ainda tenhamos saúde para aturá-lo. A primeira providência de uma revolução planetária, realmente libertadora, tem de ser a abolição do dinheiro, pura e simplesmente. Precisamos estabelecer um novo sistema de trocas, pois o vigente criou um fetiche demasiado monstruoso para ser suportado. O dinheiro não traz a felicidade, meninos: será que vocês todos ainda não perceberam isso?


V. QUEREMOS UM SISTEMA EDUCACIONAL LIVRE QUE ENSINE A TODOS OS HOMENS, MULHERES E CRIANÇAS DA TERRA EXATAMENTE O QUE TODOS NÓS DEVEMOS SABER PARA SOBREVIVER E CRESCER COM TODO O POTENCIAL DE SER HUMANO.
O que nossas escolas fazem é uma monstruosidade sem limites. Em primeiro lugar, não ensinam nada do que, desde crianças, deveríamos aprender: caçar, pescar, plantar, cozinhar, fazer casas, fazer roupas, curar doenças, etc. Nada: nossas necessidades básicas de sobrevivência são deixadas por conta de uma sociedade reconhecidamente injusta e desumana. O que a escola ensina é a submissão passiva, conformada, sem contestações, a essa sociedade, através de uma diabólica lavagem cerebral que começa na mais tenra infância e se estende poderosamente até a universidade. Além de não nos ensinar a sobreviver, a escola nos impede de crescer, como seres humanos, agindo com determinação no sentido de reduzir cada um de nós a mera unidade de rebanho humano.


VI. QUEREMOS LIBERTAR TODAS AS ESTRUTURAS DO DOMÍNIO DAS GRANDES COMPANHIAS E TRANSFERIR TODOS OS EDIFÍCIOS E TODA TERRA PARA O POVO.
Essas companhias podem ser privadas ou estatais, nacionais ou multi, tanto faz. Elas não representam o povo e são, na verdade, suas inimigas. Cito mais uma vez Malatesta que pede ‘a abolição da propriedade capitalista ou estatista, da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, para que ninguém tenha meios de viver explorando o trabalho dos outros, e que todos, assegurados os meios de produzir e de viver, sejam verdadeiramente independentes e possam associar-se livremente uns com os outros, no interesse comum e de conformidade com as simpatias pessoais’. A terra e tudo que é produzido a partir dela – isto é, simplesmente TUDO, nada menos – pertence ao povo.


VII. QUEREMOS UM PLANETA LIMPO. QUEREMOS UM POVO SÃO.
Isto é: saneamento ecológico, em todos os níveis. Queremos o fim da poluição, seja ela química, atômica ou espiritual. A defesa da saúde, tanto do planeta como um todo, quanto de cada corpo vivo em particular, é um dever religioso, pois o planeta e o corpo são templos de Deus.


VIII. QUEREMOS ACESSO LIVRE A TODAS AS INFORMAÇÕES, A TODOS OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A TODA TECNOLOGIA.
Queremos a abolição total e definitiva da censura, não só da oficial, mas de todas as censuras, exercidas pelos donos do poder econômico e, em consequência, dos veículos de comunicação de massa. Queremos, ao mesmo tempo, saber o que está acontecendo e ter meios de expressar e comunicar o nosso próprio pensamento. Queremos arrancar as mordaças. Queremos deixar de ser meros objetos de manipulação para ser sujeitos de nosso próprio destino.


IX. QUEREMOS A LIBERDADE DE TODOS OS PRISIONEIROS MANTIDOS INJUSTAMENTE NAS PRISÕES E ESTABELECIMENTOS PENITENCIÁRIOS. QUEREMOS QUE TODOS OS PERSEGUIDOS SEJAM DEVOLVIDOS À COMUNIDADE.
A anistia necessária deve ser, de fato, ampla, geral e irrestrita – e não só para os prisioneiros políticos, mas para todos os prisioneiros, porque os piores criminosos estão soltos, abençoados pelo Sistema e cobertos de ouro. A mais elementar Justiça exige, diante dessa situação concreta, que se abram os portões das prisões e que nossos semelhantes encarcerados sejam devolvidos à luz do sol. Uma sociedade injusta, estúpida e doente, como a nossa, não tem o menor direito de manter presos alguns de seus membros. E muito menos o de torturá-los e matá-los, como acontece.


X. QUEREMOS UM PLANETA LIVRE, UMA TERRA LIVRE, COMIDA, TETO, ROUPAS PARA TODOS. QUEREMOS UMA ARTE LIVRE, CULTURA LIVRE, MEIOS DE COMUNICAÇÃO LIVRES, TECNOLOGIA, EDUCAÇÃO, ASSISTÊNCIA MÉDICA PARA TODOS. CORPOS LIVRES. PESSOAS LIVRES. TEMPO E ESPAÇO – LIVRES. TUDO LIVRE. PARA TODOS.
Tenho dito.”

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