Texto do livro “Negócio Seguinte:”, Luiz Carlos Maciel, Editora Codecri, Rio de Janeiro, 1982, 2ª Edição, Páginas 243 a 247:
“Brindemos ao seguinte:
Dez anos de PASQUIM, abertura, anistia, redemocratização, etc. –
tudo isso merece ser comemorado. Pensei em aproveitar o ensejo para
apresentar algumas ideias para a formação de um novo partido político,
adequado finalmente aos novos tempos que estamos vivendo. Quem não se
sentir muito à vontade com os partidos que existem, que invente o seu –
pensei, e foi o que fiz.
Para ser franco, já apresentei essas
ideias pela televisão, para ser mais exato pela TV Tupi, numa entrevista
feita por Glauber Rocha para o programa Abertura. Faço-o agora por
escrito. O partido não tem nome, nem acho que isso seja importante. O
que é um nome? – pergunta Shakespeare, em Romeu e Julieta. Um pé, um
braço, etc.? Nada disso. Nomes não são coisas, mas signos. São bons para
os especialistas em Semiologia. Não é o meu caso. Sou, como disse o
Glauber, ‘um jovem político’.
O programa ou manifesto, do novo partido sem nome, está formulado em dez itens. São os seguintes:
I. QUEREMOS LIBERDADE. QUEREMOS QUE TODOS TENHAM O PODER DE DETERMINAR O SEU PRÓPRIO DESTINO.
Esta é a ideia básica. O principal defeito das presentes
organizações sociais, sejam elas de qualquer tipo, é que não nos deixam
viver como queremos. Tudo foi tão organizado – e, naturalmente, mal
organizado – que já nascemos prisioneiros e os sistemas de controle são,
cada vez mais, totalitários e asfixiantes. A isso chamam progresso. Não
serve para nada, se você deixa de ser dono do seu nariz. Seria melhor
que simplesmente nos deixassem em paz. Por isso, Malatesta pede ‘a
abolição do governo e de qualquer poder que faça leis para lançá-las aos
outros; portanto, abolição das monarquias, das repúblicas, dos
parlamentos, dos exércitos, das polícias, das magistraturas e de toda e
qualquer instituição dotada de meios de constranger e de punir’. Em
outras palavras: deixem-nos respirar.
II. QUEREMOS
JUSTIÇA. QUEREMOS O FIM DE QUALQUER REPRESSÃO POLÍTICA, CULTURAL E
SEXUAL, SOBRE TODOS OS OPRIMIDOS DO MUNDO, ESPECIALMENTE A REPRESSÃO
CONTRA AS MULHERES, OS NEGROS E TODAS AS MINORIAS.
Por todas
as minorias, entenda-se o que está literalmente escrito, incluindo-se os
índios, judeus, homossexuais e demais minorias eróticas, políticas ou
religiosas. Nascer neste mundo nos dá o direito de ser o que Deus quis e
fazer de nossa vida o que, com Sua Graça, quisermos. Nascemos livres
para pensarmos o que bem ou mal entendermos, fazermos a arte e a cultura
que quisermos, etc. Rejeitamos toda e qualquer racionalização que vise a
justificação e consequente preservação de qualquer procedimento
repressivo, em qualquer nível. A derrubada da opressão é a libertação
dos oprimidos. Neste particular, não pode haver concessão a qualquer
tipo de crueldade oficializada. Todos os seres vivos são irmãos.
III. QUEREMOS UMA TRANSFORMAÇÃO COMPLETA DO CHAMADO SISTEMA
JURÍDICO, DE MANEIRA QUE AS LEIS, OS TRIBUNAIS E A POLÍCIA ATUEM
UNICAMENTE EM FUNÇÃO DOS INTERESSES DE TODOS. QUEREMOS O FIM DE TODA E
QUALQUER VIOLÊNCIA CONTRA O POVO.
Não tem graça nenhuma você
ser um cidadão – isto é, um ser humano que vive em comunidade com seus
semelhantes – e viver com medo da polícia e dos juízes. Jesus Cristo
mandou que ninguém julgasse ninguém, para não ser julgado. Em nossa
sociedade anticristã, porém, o que se observa é o oposto. Alguns homens
delegaram a si próprios o direito de julgar, condenar e maltratar seus
semelhantes – e, ainda por cima, dizem que isso é muito natural e, o que
é o pior, muitos acreditam. Isso tudo é um absurdo evidente, uma
doença, uma alucinação coletiva das mais sérias. O ideal, naturalmente, é
que não existam leis, nem tribunais, nem polícia. Mas enquanto esse
ideal não é possível, é preciso exigir, pelo menos, que essas leis,
tribunais e polícia se comportem com um mínimo de decência – e não da
maneira escandalosa, imoral, como acontece agora.
IV – QUEREMOS UMA ECONOMIA MUNDIAL LIVRE, BASEADA NA TROCA DE ENERGIA E MATERIAIS – E O FIM DO DINHEIRO.
O dinheiro – ‘a culpa materializada da Humanidade’, segundo
Norman O. Brown – é a origem concreta de, pelo menos, noventa por cento
de todos os nossos males e problemas, de ordem econômica, social,
psicológica, existencial, espiritual, etc. É espantoso que depois dos
séculos ensanguentados e tenebrosos, durante os quais o vil metal reinou
absoluto, ainda tenhamos saúde para aturá-lo. A primeira providência de
uma revolução planetária, realmente libertadora, tem de ser a abolição
do dinheiro, pura e simplesmente. Precisamos estabelecer um novo sistema
de trocas, pois o vigente criou um fetiche demasiado monstruoso para
ser suportado. O dinheiro não traz a felicidade, meninos: será que vocês
todos ainda não perceberam isso?
V. QUEREMOS UM SISTEMA
EDUCACIONAL LIVRE QUE ENSINE A TODOS OS HOMENS, MULHERES E CRIANÇAS DA
TERRA EXATAMENTE O QUE TODOS NÓS DEVEMOS SABER PARA SOBREVIVER E CRESCER
COM TODO O POTENCIAL DE SER HUMANO.
O que nossas escolas
fazem é uma monstruosidade sem limites. Em primeiro lugar, não ensinam
nada do que, desde crianças, deveríamos aprender: caçar, pescar,
plantar, cozinhar, fazer casas, fazer roupas, curar doenças, etc. Nada:
nossas necessidades básicas de sobrevivência são deixadas por conta de
uma sociedade reconhecidamente injusta e desumana. O que a escola ensina
é a submissão passiva, conformada, sem contestações, a essa sociedade,
através de uma diabólica lavagem cerebral que começa na mais tenra
infância e se estende poderosamente até a universidade. Além de não nos
ensinar a sobreviver, a escola nos impede de crescer, como seres
humanos, agindo com determinação no sentido de reduzir cada um de nós a
mera unidade de rebanho humano.
VI. QUEREMOS LIBERTAR TODAS
AS ESTRUTURAS DO DOMÍNIO DAS GRANDES COMPANHIAS E TRANSFERIR TODOS OS
EDIFÍCIOS E TODA TERRA PARA O POVO.
Essas companhias podem ser
privadas ou estatais, nacionais ou multi, tanto faz. Elas não
representam o povo e são, na verdade, suas inimigas. Cito mais uma vez
Malatesta que pede ‘a abolição da propriedade capitalista ou estatista,
da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, para que
ninguém tenha meios de viver explorando o trabalho dos outros, e que
todos, assegurados os meios de produzir e de viver, sejam
verdadeiramente independentes e possam associar-se livremente uns com os
outros, no interesse comum e de conformidade com as simpatias
pessoais’. A terra e tudo que é produzido a partir dela – isto é,
simplesmente TUDO, nada menos – pertence ao povo.
VII. QUEREMOS UM PLANETA LIMPO. QUEREMOS UM POVO SÃO.
Isto é: saneamento ecológico, em todos os níveis. Queremos o fim
da poluição, seja ela química, atômica ou espiritual. A defesa da saúde,
tanto do planeta como um todo, quanto de cada corpo vivo em particular,
é um dever religioso, pois o planeta e o corpo são templos de Deus.
VIII. QUEREMOS ACESSO LIVRE A TODAS AS INFORMAÇÕES, A TODOS OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A TODA TECNOLOGIA.
Queremos a abolição total e definitiva da censura, não só da
oficial, mas de todas as censuras, exercidas pelos donos do poder
econômico e, em consequência, dos veículos de comunicação de massa.
Queremos, ao mesmo tempo, saber o que está acontecendo e ter meios de
expressar e comunicar o nosso próprio pensamento. Queremos arrancar as
mordaças. Queremos deixar de ser meros objetos de manipulação para ser
sujeitos de nosso próprio destino.
IX. QUEREMOS A LIBERDADE
DE TODOS OS PRISIONEIROS MANTIDOS INJUSTAMENTE NAS PRISÕES E
ESTABELECIMENTOS PENITENCIÁRIOS. QUEREMOS QUE TODOS OS PERSEGUIDOS SEJAM
DEVOLVIDOS À COMUNIDADE.
A anistia necessária deve ser, de
fato, ampla, geral e irrestrita – e não só para os prisioneiros
políticos, mas para todos os prisioneiros, porque os piores criminosos
estão soltos, abençoados pelo Sistema e cobertos de ouro. A mais
elementar Justiça exige, diante dessa situação concreta, que se abram os
portões das prisões e que nossos semelhantes encarcerados sejam
devolvidos à luz do sol. Uma sociedade injusta, estúpida e doente, como a
nossa, não tem o menor direito de manter presos alguns de seus membros.
E muito menos o de torturá-los e matá-los, como acontece.
X. QUEREMOS UM PLANETA LIVRE, UMA TERRA LIVRE, COMIDA, TETO, ROUPAS PARA
TODOS. QUEREMOS UMA ARTE LIVRE, CULTURA LIVRE, MEIOS DE COMUNICAÇÃO
LIVRES, TECNOLOGIA, EDUCAÇÃO, ASSISTÊNCIA MÉDICA PARA TODOS. CORPOS
LIVRES. PESSOAS LIVRES. TEMPO E ESPAÇO – LIVRES. TUDO LIVRE. PARA TODOS.
Tenho dito.”
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