sábado, 28 de novembro de 2015

Woody Allen e Fernando Pessoa

      Um dos filmes de Woody Allen, cujo nome não me recordo, contém uma cena no seu começo, sem nenhum diálogo, que considero genial. Ele próprio se encontra dentro de um vagão parado de trem, acompanhado de pessoas velhas, feias e tristes, todas sentadas. Olha pela janela e percebe outro vagão, igualmente estacionado, repleto de gente jovem, bonita, alegre e de pé, em meio a uma festa. O contraste é violento. Alguns passageiros do seu vagão começam a soluçar e chorar. Desesperado, ele passa a esmurrar o vidro, a fim de abandonar tão deprimente companhia e se juntar aos felizes indivíduos ao lado. A cena pode ser uma metáfora para o estigma da “consciência” e da “verdade”, de que fala Fernando Pessoa neste poema:

Por que, ó Sagrado, sobre a minha vida
Derramaste o teu verbo?
Por que há de a minha partida
A coroa de espinhos da verdade [?]
Antes eu era sábio sem cuidados,
Ouvia, à tarde finda, entrar o gado
E o campo era solene e primitivo.
Hoje que da verdade sou o escravo
Só no meu ser tenho [,] de a ter [,] o travo,
Estou exilado aqui e morto vivo.

Maldito o dia em que pedi a ciência!
Mais maldito o que a deu porque me a deste!
Que é feito dessa minha inconsciência
Que a consciência, como um traje, veste?
Hoje sei quase tudo e fiquei triste...
Porque me deste o que pedi, ó Santo?
Sei a verdade, enfim, do Ser que existe.
Prouvera a Deus que eu não soubesse tanto!

Fernando Pessoa – 1932

Nenhum comentário:

Postar um comentário