Um dos filmes de Woody Allen, cujo nome não me
recordo, contém uma cena no seu começo, sem nenhum diálogo, que considero
genial. Ele próprio se encontra dentro de um vagão parado de trem, acompanhado
de pessoas velhas, feias e tristes, todas sentadas. Olha pela janela e percebe
outro vagão, igualmente estacionado, repleto de gente jovem, bonita, alegre e
de pé, em meio a uma festa. O contraste é violento. Alguns passageiros do seu
vagão começam a soluçar e chorar. Desesperado, ele passa a esmurrar o vidro, a
fim de abandonar tão deprimente companhia e se juntar aos felizes indivíduos ao
lado. A cena pode ser uma metáfora para o estigma da “consciência” e da
“verdade”, de que fala Fernando Pessoa neste poema:
Por
que, ó Sagrado, sobre a minha vida
Derramaste
o teu verbo?
Por
que há de a minha partida
A
coroa de espinhos da verdade [?]
Antes
eu era sábio sem cuidados,
Ouvia,
à tarde finda, entrar o gado
E
o campo era solene e primitivo.
Hoje
que da verdade sou o escravo
Só
no meu ser tenho [,] de a ter [,] o travo,
Estou
exilado aqui e morto vivo.
Maldito
o dia em que pedi a ciência!
Mais
maldito o que a deu porque me a deste!
Que
é feito dessa minha inconsciência
Que
a consciência, como um traje, veste?
Hoje
sei quase tudo e fiquei triste...
Porque
me deste o que pedi, ó Santo?
Sei
a verdade, enfim, do Ser que existe.
Prouvera
a Deus que eu não soubesse tanto!
Fernando
Pessoa – 1932
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