O Carlos Décio Mostaro era advogado e funcionário
do Banco do Brasil. Havia um questionamento que intrigava os seus amigos: seria
ele um bom bancário e péssimo advogado, ou um bom advogado e péssimo
bancário?... O mais certo é que era um excelente humorista, um comediante nato,
uma ótima companhia na bebida, nos papos descontraídos dos bares. Às vezes,
para fazer uma brincadeira, não hesitava em colocar em risco uma amizade.
Inteligente e criativo, com acentuado poder histriônico, tinha sempre uma piada
nova a contar, sabendo interpretá-la como ninguém! Eu apreciava privar da sua
presença, na certeza de momentos alegres e agradáveis.
Conheço alguns casos a seu respeito.
Aquele que considero o mais espetacular e magistral, ocorreu em Brasília,
quando lá trabalhava, nos tempos de solteiro. Resolveu levar uma companhia
feminina até o seu apartamento. Deixou a amiga na cozinha, que se dispôs a
fazer uma limpeza e preparar alguma coisa para o jantar, como é do gosto de
toda mulher. Ele se retirou para o quarto, avisando-a de que iria tomar um
banho e trocar de roupa... e que ela ficasse à vontade. Premeditando dar-lhe um
susto, ele retirou do guarda-roupa uma fantasia e passou a se fantasiar de...
CONDE DRÁCULA. Com capa vermelha e fundo preto, calça e camisa negras, a rigor.
Maquilou-se, implantou dois dentes sobressalentes nos cantos da boca, olhou-se
no espelho e viu que estava bem caracterizado. O rosto, mais branco e
cadavérico não poderia ficar.
Assim fantasiado, dirigiu-se, a passos
furtivos, até a porta da cozinha. Deu uma olhada. A convidada estava de costas,
na pia, ocupada em lavar uma panela suja, sem suspeitar de nada. Ele esboçou um
sorriso maligno, deu uns passos para trás, correu e pulou com estardalhaço
dentro da cozinha, a capa esvoaçando, um gargalhar satânico a sair da garganta,
dizendo em altos brados: - SANGUE!!!... EU QUERO SANGUE!!!... A pobre mulher
levou um susto enorme!... Jogou a panela para cima, virou-se para o meu amigo,
soltou um grito e... entrou em ESTADO DE CHOQUE... O Décio continuou com as
suas encenações, reclamando sangue, rindo diabolicamente, fazendo a capa
voar... até que percebeu que a infeliz, os olhos arregalados, numa posição
ridícula, não fazia um movimento, parecendo uma estátua. Então, ele entendeu o
que havia ocorrido. Desvencilhou-se da capa, tirou os dois dentes e começou a
lhe falar normalmente, dizendo-lhe que era uma brincadeira, jogando água na
cara para tirar a maquilagem branca, mostrando-lhe que era ele mesmo, o Décio,
que se encontrava ali, e não o Conde Drácula.
Ele teve um trabalho danado para fazê-la
sair do estado de choque... para entrar numa CRISE DE CHORO. Deu-lhe água com
açúcar, pediu mil desculpas pelo susto, até que ela finalmente conseguiu
estancar as lágrimas... para passar a um ACESSO DE ÓDIO. A madame começou a
xingá-lo de vários nomes feios, arremessando contra o meu amigo o que via pela
frente... Ele se defendeu como pôde, deixando ela extravasar a raiva... Não na
cozinha, mas na sala, que ficou de cabeça para baixo. Até que foi se acalmando,
mas sem parar de falar um minuto, recriminando-o pelo que fizera, dizendo-lhe
que nunca gostara de filmes de terror, que fora uma criança muito medrosa,
etc., etc., etc. Enquanto isso, o Décio ia colocando no lugar as almofadas e
outros objetos, ainda se desculpando. Um cheiro de queimado, vindo da cozinha,
trouxe os dois à realidade. Ela voltou ao fogão, ordenando que ele fosse tomar
um banho, limpar a cara e se livrar daquela fantasia. Obediente, seguiu suas
ordens.
Ao voltar à cozinha, a janta estava
pronta. O clima era tenso entre os dois. Jantaram na copa, trocando algumas
palavras, ela ainda ressentida, ele ainda vexado, mas sem falarem sobre o
tragicômico incidente. Para ajudar a quebrar o gelo, ele propôs degustarem uma garrafa de vinho branco. Tentando tranquilizá-la,
passou a contar piadas. Os risos e gargalhadas a trouxeram ao estado normal.
Deste, se passou a uma intimidade sensual, com abraços e beijos, até que os
dois terminaram a noite na cama, fazendo amor. E pouco depois ela dormiu. Um
sono só.
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