quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Turma do Beco 3 – Décio e o Drácula (Parte 1)


      O Carlos Décio Mostaro era advogado e funcionário do Banco do Brasil. Havia um questionamento que intrigava os seus amigos: seria ele um bom bancário e péssimo advogado, ou um bom advogado e péssimo bancário?... O mais certo é que era um excelente humorista, um comediante nato, uma ótima companhia na bebida, nos papos descontraídos dos bares. Às vezes, para fazer uma brincadeira, não hesitava em colocar em risco uma amizade. Inteligente e criativo, com acentuado poder histriônico, tinha sempre uma piada nova a contar, sabendo interpretá-la como ninguém! Eu apreciava privar da sua presença, na certeza de momentos alegres e agradáveis.

      Conheço alguns casos a seu respeito. Aquele que considero o mais espetacular e magistral, ocorreu em Brasília, quando lá trabalhava, nos tempos de solteiro. Resolveu levar uma companhia feminina até o seu apartamento. Deixou a amiga na cozinha, que se dispôs a fazer uma limpeza e preparar alguma coisa para o jantar, como é do gosto de toda mulher. Ele se retirou para o quarto, avisando-a de que iria tomar um banho e trocar de roupa... e que ela ficasse à vontade. Premeditando dar-lhe um susto, ele retirou do guarda-roupa uma fantasia e passou a se fantasiar de... CONDE DRÁCULA. Com capa vermelha e fundo preto, calça e camisa negras, a rigor. Maquilou-se, implantou dois dentes sobressalentes nos cantos da boca, olhou-se no espelho e viu que estava bem caracterizado. O rosto, mais branco e cadavérico não poderia ficar.

      Assim fantasiado, dirigiu-se, a passos furtivos, até a porta da cozinha. Deu uma olhada. A convidada estava de costas, na pia, ocupada em lavar uma panela suja, sem suspeitar de nada. Ele esboçou um sorriso maligno, deu uns passos para trás, correu e pulou com estardalhaço dentro da cozinha, a capa esvoaçando, um gargalhar satânico a sair da garganta, dizendo em altos brados: - SANGUE!!!... EU QUERO SANGUE!!!... A pobre mulher levou um susto enorme!... Jogou a panela para cima, virou-se para o meu amigo, soltou um grito e... entrou em ESTADO DE CHOQUE... O Décio continuou com as suas encenações, reclamando sangue, rindo diabolicamente, fazendo a capa voar... até que percebeu que a infeliz, os olhos arregalados, numa posição ridícula, não fazia um movimento, parecendo uma estátua. Então, ele entendeu o que havia ocorrido. Desvencilhou-se da capa, tirou os dois dentes e começou a lhe falar normalmente, dizendo-lhe que era uma brincadeira, jogando água na cara para tirar a maquilagem branca, mostrando-lhe que era ele mesmo, o Décio, que se encontrava ali, e não o Conde Drácula.

      Ele teve um trabalho danado para fazê-la sair do estado de choque... para entrar numa CRISE DE CHORO. Deu-lhe água com açúcar, pediu mil desculpas pelo susto, até que ela finalmente conseguiu estancar as lágrimas... para passar a um ACESSO DE ÓDIO. A madame começou a xingá-lo de vários nomes feios, arremessando contra o meu amigo o que via pela frente... Ele se defendeu como pôde, deixando ela extravasar a raiva... Não na cozinha, mas na sala, que ficou de cabeça para baixo. Até que foi se acalmando, mas sem parar de falar um minuto, recriminando-o pelo que fizera, dizendo-lhe que nunca gostara de filmes de terror, que fora uma criança muito medrosa, etc., etc., etc. Enquanto isso, o Décio ia colocando no lugar as almofadas e outros objetos, ainda se desculpando. Um cheiro de queimado, vindo da cozinha, trouxe os dois à realidade. Ela voltou ao fogão, ordenando que ele fosse tomar um banho, limpar a cara e se livrar daquela fantasia. Obediente, seguiu suas ordens.

      Ao voltar à cozinha, a janta estava pronta. O clima era tenso entre os dois. Jantaram na copa, trocando algumas palavras, ela ainda ressentida, ele ainda vexado, mas sem falarem sobre o tragicômico incidente. Para ajudar a quebrar o gelo, ele propôs degustarem  uma garrafa de vinho branco. Tentando tranquilizá-la, passou a contar piadas. Os risos e gargalhadas a trouxeram ao estado normal. Deste, se passou a uma intimidade sensual, com abraços e beijos, até que os dois terminaram a noite na cama, fazendo amor. E pouco depois ela dormiu. Um sono só.

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