sábado, 26 de dezembro de 2015

A vileza da riqueza

      (...) Existe algo de particularmente vil, ignóbil e mórbido nos ricos. O dinheiro produz uma espécie de insensibilidade de gangrena. É inevitável. (...) As boas relações entre vizinhos são a pedra de toque que revela os ricos. Os ricos simplesmente não têm vizinhos.
      (...)
      - Mas não têm vizinhos no mesmo sentido em que os pobres os têm. (...) Quando a gente vive com menos de quatro libras por semana, há uma necessidade atroz de se portar como cristão, de amar o próximo. Para principiar, você não pode fugir dele; o próximo, por assim dizer, mora-lhe no quintal. Ignorar a sua presença duma maneira refinadamente filosófica. Não é possível. É necessário odiar ou amar; não há meio-termo; e, em suma, é preferível você procurar amar o vizinho, porque pode precisar do auxílio dele como ele pode precisar do seu – e isso duma maneira tão urgente e tão repetida, que não há lugar para recusas. E desde que você seja obrigado a dar, desde que, como ser humano, não possa deixar de dar, é melhor que trate de amar a pessoa a quem de qualquer modo você terá de dar.
      (...)
      - Mas vocês, os ricos, (...) não têm vizinhos verdadeiros. Nunca praticam um ato de boa vizinhança e nunca pedem aos vizinhos que lhes façam uma gentileza como retribuição. É desnecessário. Vocês pagam pessoas para atenderem às suas necessidades. Podem alugar criados que hão de simular dedicação a três libras por mês e mais a comida. (...) Não, em geral vocês nem mesmo chegam a ter consciência da existência dos vizinhos. Vivem longe deles. Cada um fica isolado na sua casa secreta. Pode haver tragédias atrás dos postigos; mas os vizinhos do lado não ficam sabendo de nada.
      (...)
      (...) O isolamento é um grande luxo. Muito agradável, concordo. Mas o luxo se paga. Ninguém se comove com as desgraças que não conhece. (...) Numa rua pobre a desgraça não pode ser escondida. A vida é demasiadamente pública. Os sentimentos de boa vizinhança estão em exercício constante. Mas os ricos nunca têm um desejo de se mostrarem bons vizinhos para os seus iguais. O mais que podem fazer é ficarem sentimentais diante do sofrimento de seus inferiores – sofrimentos que eles não podem de forma alguma compreender – e mostrar-se condescendentemente compadecidos. Horrível! E isso ainda são os ricos sob o seu melhor aspecto. Quanto ao pior aspecto, aí o tem você... – Apontou para o salão cheio de gente.”

      (“Contraponto”, Aldous Huxley, Círculo do Livro S.A., São Paulo, 1973, Páginas 64-65.)

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