(...) Existe algo de particularmente vil,
ignóbil e mórbido nos ricos. O dinheiro produz uma espécie de insensibilidade
de gangrena. É inevitável. (...) As boas relações entre vizinhos são a pedra de
toque que revela os ricos. Os ricos simplesmente não têm vizinhos.
(...)
- Mas não têm vizinhos no mesmo sentido
em que os pobres os têm. (...) Quando a gente vive com menos de quatro libras
por semana, há uma necessidade atroz de se portar como cristão, de amar o
próximo. Para principiar, você não pode fugir dele; o próximo, por assim dizer,
mora-lhe no quintal. Ignorar a sua presença duma maneira refinadamente
filosófica. Não é possível. É necessário odiar ou amar; não há meio-termo; e,
em suma, é preferível você procurar amar o vizinho, porque pode precisar do
auxílio dele como ele pode precisar do seu – e isso duma maneira tão urgente e
tão repetida, que não há lugar para recusas. E desde que você seja obrigado a
dar, desde que, como ser humano, não possa deixar de dar, é melhor que trate de
amar a pessoa a quem de qualquer modo você terá de dar.
(...)
- Mas vocês, os ricos, (...) não têm
vizinhos verdadeiros. Nunca praticam um ato de boa vizinhança e nunca pedem aos
vizinhos que lhes façam uma gentileza como retribuição. É desnecessário. Vocês
pagam pessoas para atenderem às suas necessidades. Podem alugar criados que hão
de simular dedicação a três libras por mês e mais a comida. (...) Não, em geral
vocês nem mesmo chegam a ter consciência da existência dos vizinhos. Vivem
longe deles. Cada um fica isolado na sua casa secreta. Pode haver tragédias
atrás dos postigos; mas os vizinhos do lado não ficam sabendo de nada.
(...)
(...) O isolamento é um grande luxo.
Muito agradável, concordo. Mas o luxo se paga. Ninguém se comove com as
desgraças que não conhece. (...) Numa rua pobre a desgraça não pode ser
escondida. A vida é demasiadamente pública. Os sentimentos de boa vizinhança
estão em exercício constante. Mas os ricos nunca têm um desejo de se mostrarem
bons vizinhos para os seus iguais. O mais que podem fazer é ficarem
sentimentais diante do sofrimento de seus inferiores – sofrimentos que eles não
podem de forma alguma compreender – e mostrar-se condescendentemente
compadecidos. Horrível! E isso ainda são os ricos sob o seu melhor aspecto.
Quanto ao pior aspecto, aí o tem você... – Apontou para o salão cheio de
gente.”
(“Contraponto”, Aldous Huxley, Círculo do
Livro S.A., São Paulo, 1973, Páginas 64-65.)
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