Em meados de um ano que não sei precisar,
na década de 70, o Lima se encontrava chateado e macambúzio, dizendo que estava
a fim de se suicidar. Naturalmente, o pessoal do Beco tentou elevar o seu
astral. Mas não surtiu efeito. O poeta continuou deprimido. Então, um dia,
alguém, provavelmente o Roberto, falou com ele nestes termos:
- Lima, tudo bem. Já que você quer
realmente se matar, então que seja. Porém, nós discutimos o seu problema e
chegamos a um acordo. É o seguinte. Como poeta, nós pensamos que a sua morte
deve ser gloriosa. Não será um suicídio qualquer.
O Lima escutava em silêncio, entre
suspiros desalentados.
- Você não irá morrer como qualquer
pessoa comum. Sugerimos um suicídio que fará você entrar para a História do
Brasil como um verdadeiro herói.
Nesta altura, o poeta passou a ouvir com
vivo interesse.
- Como você fará isso? É simples. Daqui a
alguns dias será 7 de setembro. Durante o desfile militar na Av. Rio Branco,
você subirá o elevador do Edifício Clube Juiz de Fora e vai pular lá de cima
direto do palanque oficial. Pelo menos um militar de alta patente vai morrer
com o impacto do seu corpo caindo. Assim, você não só vai morrer, como a sua
morte não será em vão. Não é uma boa ideia? Ou melhor, não é uma má ideia?
Era a época da Ditadura, e do Edifício já
haviam pulado outros suicidas, sendo um local afamado neste sentido.
Ficou acertado que assim seria feito,
tendo o Lima concordado em dar um desfecho à própria vida desta maneira. Nos
dias que se seguiram, todos começaram a paparicar o poeta, externando votos de
um rápido fim, entre abraços e considerações eternas de amizade.
E foi marcado um jantar de despedida na
noite de 6 de setembro, num restaurante. Tudo foi providenciado para que fosse
uma noite memorável. Deveria haver bebida e comida à vontade. É óbvio que a
despesa foi colocada em nome do Lima, pois iria morrer mesmo! E morto não deve
mais nada.
Quando anoiteceu, na véspera do feriado,
o pessoal do Beco foi começando a chegar ao restaurante, o qual ficou repleto
de solidários companheiros. Um tempo depois, chegou o pré-suicida, com uma cara
patibular. Foi recebido com vivas, palmas e ovações. E começaram os discursos.
Cada um queria manifestar as suas antecipadas condolências ao futuro morto. E o
Lima sentado, quieto. Não poderia reclamar quanto à despesa em seu nome, se tal
lhe fosse informado, pois havia firmado um compromisso de honra para o dia
seguinte.
O principal orador foi o Roberto
Medeiros. No meio de sua fala, interrompeu o discurso para ir ao banheiro
liberar a bexiga da cerveja, continuando o mesmo na volta, coisa altamente
inusitada. Mas tudo era inusitado naqueles momentos. Iriam perder o poeta para
sempre.
As horas foram passando e adentrou-se aos
primeiros minutos do dia seguinte, o dia fatal. Os mais resistentes, já de
madrugada, decidiram permanecer insones para conseguirem um bom lugar na
avenida, diante do palanque das autoridades. Outros resolveram ir para casa
dormir e acordar a tempo de irem presenciar o histórico suicídio. E quanto ao
Lima, uma hora ele deu um jeito de sair sozinho do restaurante e tomou rumo
ignorado.
O dia clareou, o desfile começou, e
alguns amigos estavam a postos à espera do grande momento. Mas, nenhum sinal do
Lima. Alguém saiu para procurá-lo e encontrou-o a dormir no seu quarto de
pensão. Foi acordado e avisado de que o desfile estava prestes a terminar, mas
que ainda dava tempo, se ele se apressasse. A sorrir, desculpando-se sem jeito,
o Lima declarou que havia desistido de morrer, e que lamentava muito a decepção
geral que estava causando.
No dia seguinte, ainda vivo, ficou
sabendo que estava devendo uma quantia enorme no restaurante. Os amigos,
evidentemente, saldaram o frustrado banquete de despedida. E nunca mais o Lima
falou em morte. Não entrou para a História, é claro, mas continuou a agraciar
Juiz de Fora com a sua inesquecível presença. Faleceu em 5 de março de 1993, de
parada cardíaca, aos 58 anos de idade. Coincidentemente, 5 de março era aniversário
de três integrantes do Beco: do Cezário Brandi Filho (o poeta Zoquinha) e dos
músicos gêmeos Roberto e Ricardo Barroso (os irmãos Barrósos), dos quais apenas
o último está vivo. O Lima sempre dizia: “faço questão de morrer em Juiz de
Fora”. Não deu outra.
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