terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Turma do Beco 12 - O suicídio do Lima

     Em meados de um ano que não sei precisar, na década de 70, o Lima se encontrava chateado e macambúzio, dizendo que estava a fim de se suicidar. Naturalmente, o pessoal do Beco tentou elevar o seu astral. Mas não surtiu efeito. O poeta continuou deprimido. Então, um dia, alguém, provavelmente o Roberto, falou com ele nestes termos:
      - Lima, tudo bem. Já que você quer realmente se matar, então que seja. Porém, nós discutimos o seu problema e chegamos a um acordo. É o seguinte. Como poeta, nós pensamos que a sua morte deve ser gloriosa. Não será um suicídio qualquer.
      O Lima escutava em silêncio, entre suspiros desalentados.
      - Você não irá morrer como qualquer pessoa comum. Sugerimos um suicídio que fará você entrar para a História do Brasil como um verdadeiro herói.
      Nesta altura, o poeta passou a ouvir com vivo interesse.
      - Como você fará isso? É simples. Daqui a alguns dias será 7 de setembro. Durante o desfile militar na Av. Rio Branco, você subirá o elevador do Edifício Clube Juiz de Fora e vai pular lá de cima direto do palanque oficial. Pelo menos um militar de alta patente vai morrer com o impacto do seu corpo caindo. Assim, você não só vai morrer, como a sua morte não será em vão. Não é uma boa ideia? Ou melhor, não é uma má ideia?
      Era a época da Ditadura, e do Edifício já haviam pulado outros suicidas, sendo um local afamado neste sentido.
      Ficou acertado que assim seria feito, tendo o Lima concordado em dar um desfecho à própria vida desta maneira. Nos dias que se seguiram, todos começaram a paparicar o poeta, externando votos de um rápido fim, entre abraços e considerações eternas de amizade.
      E foi marcado um jantar de despedida na noite de 6 de setembro, num restaurante. Tudo foi providenciado para que fosse uma noite memorável. Deveria haver bebida e comida à vontade. É óbvio que a despesa foi colocada em nome do Lima, pois iria morrer mesmo! E morto não deve mais nada.
      Quando anoiteceu, na véspera do feriado, o pessoal do Beco foi começando a chegar ao restaurante, o qual ficou repleto de solidários companheiros. Um tempo depois, chegou o pré-suicida, com uma cara patibular. Foi recebido com vivas, palmas e ovações. E começaram os discursos. Cada um queria manifestar as suas antecipadas condolências ao futuro morto. E o Lima sentado, quieto. Não poderia reclamar quanto à despesa em seu nome, se tal lhe fosse informado, pois havia firmado um compromisso de honra para o dia seguinte.
      O principal orador foi o Roberto Medeiros. No meio de sua fala, interrompeu o discurso para ir ao banheiro liberar a bexiga da cerveja, continuando o mesmo na volta, coisa altamente inusitada. Mas tudo era inusitado naqueles momentos. Iriam perder o poeta para sempre.
      As horas foram passando e adentrou-se aos primeiros minutos do dia seguinte, o dia fatal. Os mais resistentes, já de madrugada, decidiram permanecer insones para conseguirem um bom lugar na avenida, diante do palanque das autoridades. Outros resolveram ir para casa dormir e acordar a tempo de irem presenciar o histórico suicídio. E quanto ao Lima, uma hora ele deu um jeito de sair sozinho do restaurante e tomou rumo ignorado.
      O dia clareou, o desfile começou, e alguns amigos estavam a postos à espera do grande momento. Mas, nenhum sinal do Lima. Alguém saiu para procurá-lo e encontrou-o a dormir no seu quarto de pensão. Foi acordado e avisado de que o desfile estava prestes a terminar, mas que ainda dava tempo, se ele se apressasse. A sorrir, desculpando-se sem jeito, o Lima declarou que havia desistido de morrer, e que lamentava muito a decepção geral que estava causando.
      No dia seguinte, ainda vivo, ficou sabendo que estava devendo uma quantia enorme no restaurante. Os amigos, evidentemente, saldaram o frustrado banquete de despedida. E nunca mais o Lima falou em morte. Não entrou para a História, é claro, mas continuou a agraciar Juiz de Fora com a sua inesquecível presença. Faleceu em 5 de março de 1993, de parada cardíaca, aos 58 anos de idade. Coincidentemente, 5 de março era aniversário de três integrantes do Beco: do Cezário Brandi Filho (o poeta Zoquinha) e dos músicos gêmeos Roberto e Ricardo Barroso (os irmãos Barrósos), dos quais apenas o último está vivo. O Lima sempre dizia: “faço questão de morrer em Juiz de Fora”. Não deu outra.

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