“Começou a pensar nas pessoas que moravam em casas como aquelas.
Deveriam ser, por exemplo, caixeiros, empregados de escritórios, viajantes
comerciais, vendedores de seguro, condutores de bondes. Sabiam eles que não
passavam de marionetes a dançar, enquanto o dinheiro puxava os cordões? Você
podia apostar que não sabiam. E se viessem a saber, por que se importariam?
Estavam todos ocupados nascendo, casando-se, procriando, trabalhando, morrendo.
Não deveria ser um mal, se você soubesse manobrar a coisa, sentir-se como um
deles, fazer parte enfim da manada humana. A nossa civilização funda-se na
ganância e no medo, mas, dentro das vidas dos homens comuns, a ganância e o
medo transmutam-se misteriosamente em alguma coisa mais nobre. As pessoas da
classe abaixo da média ali, por trás das suas cortinas rendadas, com suas
crianças, suas escassas peças de mobília e suas aspidistras, sem dúvida alguma
viviam dentro do código do dinheiro, mas ainda assim conseguiam conservar a sua
decência. De acordo com a sua interpretação, o código do dinheiro não era
tomado unicamente como cínico e imundo. Porque mantinham os seus padrões, seus
invioláveis pontos de honra. Consideravam-se e conservavam-se como ‘pessoas
respeitáveis’ – conservavam o vaso na janela e a aspidistra flutuando ao vento.
E além disso, estavam vivas. Constituíam
peças integrantes do feixe da vida. Traziam crianças ao mundo – coisa que não
fazem, de modo algum, nem os santos nem os salvadores de almas.”
(“Mantenha o Sistema”, George Orwell,
Editora Hemus, São Paulo, Páginas 248-249.)
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