“Ainda na década de 50, um dos pontos
altos de qualquer desfile de Escola de Samba era o carro alegórico. A
importância que se dava ao préstito (uma herança dos Ranchos) representativo,
fator decisivo de agrado popular, transcendia, era bem maior do que aquela que
se dava à coreografia e mesmo ao samba ou à bateria. Quem não ‘armasse’ um
carro alegórico conforme mandava o figurino (geralmente homenageando alguém de
projeção nacional ou simbolizando uma passagem histórica) perdia prestígio de
véspera. Constituía peça fundamental dos desfiles. E as Escolas tinham seus
especialistas, seus artistas, numa complicada alquimia de revestimento dos
bonecos-personagens: com jornal velho e grude se conseguia uma massa, que
encorpava as figuras, uma pasta de certa resistência. E num dos carnavais do
princípio da mencionada década, a Feliz Lembrança, graças ao trabalho de várias
equipes se revezando, após uma noite inteira de trabalho, finalizou um carro –
Lincoln Brandi à frente – cuja base, superfície, tinha sido inteiramente coberta
com capim gordura, apanhado no dia e a ela fixado com grude. Exaustos, antes do
amanhecer, deixaram-no num depósito de lenha que havia no quintal da casa do
Gilson Campos, na Avenida Sete, sob uma providencial cobertura de zinco – uma
medida das mais sensatas, visto que o tempo achava-se instável e qualquer
chuvinha poria abaixo o árduo trabalho de semanas, o que seria um desastre para
a Escola que desfilaria no dia seguinte. Pois bem, dia seguinte, todos
levantados e satisfeitos com o resultado da empreitada, se dirigem ao local,
com a tranquilidade dos que cumprem as tarefas à risca, e deparam com uma
inacreditável visão: o carro estava todo destruído, impraticável de sair. O
seguinte: no referido depósito de lenha pernoitava um burro, evidentemente subnutrido
porque longe dos pastos, que não resistiu ao frescor daquele capim molhado, bem
à sua disposição – quem sabe, o seu mais impossível sonho desde que perdeu o
antigo verde dos pastos... Tudo por água abaixo, e um burro alimentado. O pior,
diz Olber de Oliveira Alves (B.O), é que o burro se chamava ‘Paulista’...”
(“História Recente da Música Popular
Brasileira de Juiz de Fora – 1945 a 1975”, Carlos Décio Mostaro, João Medeiros
Filho e Roberto Faria de Medeiros, Edição dos Autores, Juiz de Fora, 1977,
Página 73.)
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